PT23939 – Transparência fiscal 02-01-2020 Uma sociedade que se encontre enquadrada no regime de transparência fiscal pode beneficiar da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR)? Em caso afirmativo, de que forma se processa o preenchimento declarativo? No caso de uma sociedade unipessoal que cumpra com todos os requisitos para que esteja enquadrada no regime de transparência fiscal, mas em que o sócio-gerente seja não residente, o referido regime aplica-se? Em caso afirmativo, deve o sócio não residente apresentar declaração de IRS em Portugal, apresentando unicamente o anexo D? É tributado a uma taxa liberatória de 25 por cento sobre o lucro da referida sociedade? Parecer técnico Questiona-nos se uma sociedade abrangida pelo regime da transparência fiscal em sede de IRC pode beneficiar da dedução por lucros retidos e reinvestidos (DLRR) e se uma sociedade em que o sócio é não residente em território nacional pode igualmente ficar abrangida por este regime especial. No tocante à primeira questão, o benefício fiscal «Dedução por lucros retidos e reinvestidos» (DLRR) encontra-se previsto nos artigos 27.º a 34.º do Código Fiscal ao Investimento anexo ao Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, e foi regulamentado pela Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro. Constitui um regime de incentivos fiscais ao investimento a favor de micro, pequenas e médias empresas, contribuindo para o reforço da estrutura de capital das empresas. Podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos de IRC residentes em território português, bem como os sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável neste território, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições: - Sejam micro, pequenas e médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003; - Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade; - O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos; - Tenham a situação fiscal e contributiva regularizada. O DLRR não é aplicável ao reinvestimento de lucros retidos nos setores da pesca, da aquicultura e da produção agrícola primária (produção de produtos da terra e da criação animal). Não podem beneficiar da DLRR os sujeitos passivos que: - Estejam sujeitos a uma injunção de recuperação na sequência de uma decisão da Comissão Europeia, ainda pendente, que declare um auxílio ilegal e incompatível com mercado interno; - Sejam empresas em dificuldade, nos termos do parágrafo 18 do artigo 2.º RGIC. Os sujeitos passivos podem deduzir à coleta do IRC, nos períodos de tributação que se iniciem em ou após 1 de janeiro de 2014, até 10 por cento dos lucros retidos que sejam reinvestidos em aplicações relevantes nos termos do artigo 30.º, no prazo de três anos contado a partir do final do período de tributação a que correspondam os lucros retidos. O montante máximo dos lucros retidos e reinvestidos, em cada período de tributação, é de 7 500 000 euros, por sujeito passivo. Este limite terá sido alterado pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019) para 10 000 000 de euros. A dedução é feita, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, até à concorrência de 25 por cento da coleta do IRC. No caso dos sujeitos passivos que sejam micro e pequenas empresas, tal como definidas na Recomendação 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, a dedução prevista no n.º 2, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º do Código do IRC, é feita até à concorrência de 50 por cento da coleta do IRC. Os sujeitos passivos que beneficiem da DLRR devem proceder à constituição, no balanço, de reserva especial correspondente ao montante dos lucros retidos e reinvestidos. A reserva especial assim constituída não pode ser utilizada para distribuição aos sócios antes do fim do quinto exercício posterior ao da sua constituição, sem prejuízo dos demais requisitos legais exigíveis. Consideram-se aplicações relevantes, os ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de: - Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em projetos de indústria extrativa; - Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo quando afetos a atividades produtivas ou administrativas; - Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, salvo quando afetas à exploração de serviço público de transportes ou destinadas a serem alugadas no exercício da atividade normal do sujeito passivo, barcos de recreio e aeronaves de turismo; - Artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística; - Ativos afetos a atividades no âmbito de acordos de concessão ou de parceria público-privada celebrados com entidades do setor público. Considera-se investimento realizado em aplicações relevantes o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso. Não se consideram as adições de ativos que resultem de transferências de investimentos em curso. No caso de ativos adquiridos em regime de locação financeira, a dedução é condicionada ao exercício da opção de compra pelo sujeito passivo no prazo de cinco anos contado da data da aquisição. As aplicações relevantes em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos devem ser detidas e contabilizadas de acordo com as regras que determinaram a sua elegibilidade, por um período mínimo de cinco anos. Quando ocorra a transmissão onerosa dos ativos em que seja concretizado o reinvestimento dos lucros retidos antes de decorrido o prazo previsto no número anterior, o sujeito passivo deve reinvestir, no mesmo período de tributação ou no período de tributação seguinte, o respetivo valor de realização em aplicações relevantes nos termos do presente artigo, os quais devem ser detidos, pelo menos, pelo período necessário para completar aquele prazo. Apenas são elegíveis as aplicações relevantes nos ativos previstos que respeitem a um investimento inicial, tal como definido na alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a DLRR não é cumulável, relativamente às mesmas aplicações relevantes elegíveis, com quaisquer outros benefícios fiscais ao investimento da mesma natureza. A DLRR é cumulável com o regime de benefícios contratuais e com o RFAI, nos termos e condições previstos nos artigos 13.º e 24.º, respetivamente. Os benefícios fiscais contratuais são cumuláveis com a DLRR, desde, e na medida em que, não sejam ultrapassados os limites máximos aplicáveis previstos no artigo 10.º. A dedução à coleta é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente o montante dos lucros retidos e reinvestidos, as aplicações relevantes objeto de reinvestimento, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes. A contabilidade dos sujeitos passivos de IRC beneficiários da DLRR deve evidenciar o imposto que deixe de ser pago em resultado da dedução a que se refere o artigo 29.º, mediante menção do valor correspondente no anexo às demonstrações financeiras relativa ao exercício em que se efetua a dedução. Sem prejuízo do disposto no Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de junho: - A não concretização da totalidade do investimento nos termos previstos no artigo 30.º até ao termo do prazo de três anos previsto no n.º 1 do artigo 29.º implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente ao montante dos lucros não reinvestidos, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao terceiro período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais; - O incumprimento do disposto nos n.ºs 4, 5 ou 6 do artigo 30.º, implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado na parte correspondente aos ativos relativamente aos quais não seja exercida a opção de compra ou que sejam transmitidos antes de decorrido o prazo de cinco anos, o qual é adicionado ao montante de imposto a pagar relativo ao período em que se verifiquem esses factos, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais; - A não constituição da reserva especial, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º, implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao terceiro período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais; - O incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 32.º implica a devolução do montante de imposto que deixou de ser liquidado correspondente à parte da reserva que seja utilizada para distribuição aos sócios, ao qual é adicionado o montante de imposto a pagar relativo ao terceiro período de tributação seguinte, acrescido dos correspondentes juros compensatórios majorados em 15 pontos percentuais. Considerando que estão reunidas as condições passemos ao procedimento prático ao nível do preenchimento das declarações fiscais. Estando o sujeito passivo enquadrado no regime de transparência fiscal não preenche o quadro 10 da modelo 22, este benefício fiscal, terá que ser considerado no campo 902 do anexo D à modelo 3, por cada um dos sócios e na proporção que lhe seja afeta. Admitimos que o campo 727 do anexo D à modelo 22 não seja preenchido, uma vez que nesta situação, por se tratar de sociedade enquadrada no regime de transparência fiscal, não há lugar ao preenchimento do quadro 10 da modelo 22. Não obstante, sugerimos que aquando da submissão das declarações este procedimento seja validado. No preenchimento do quadro 07 do anexo A da IES/DA deve ser dado conhecimento da constituição da reserva criada para efeitos de DLRR, com o preenchimento do campo A0805. Sobre a temática da aplicação dos benefícios fiscais por dedução à coleta aos sujeitos passivos tributados pelo regime da transparência fiscal, aconselhamos a consulta da informação vinculativa, processo: 2013 003058, despacho de 4 de dezembro de 2013. Relativamente à segunda questão, nos termos da norma do artigo 6.º do CIRC, o seu n.º 1 apenas faz referência para a «sede ou direção efetiva em território português» não fazendo referência à «qualidade/residência» do sócio. Assim, somos do entendimento que mesmo que se trate de um sócio não residente em território nacional, tal facto não é impeditivo da aplicação do regime da transparência fiscal. A reforçar este entendimento temos o disposto no n.º 9 do artigo 5.º do CIRC (Estabelecimento estável), que nos transmite que para efeito de imputação da matéria coletável aos sócios ao abrigo do regime de transparência fiscal, considera-se: - «Os sócios ou membros das entidades nele referidas que não tenham sede nem direção efetiva em território português obtêm esses rendimentos através de estabelecimento estável nele situado.» Quer isto dizer que, na esfera dos sócios, sejam estes sócios residentes, ou não residentes em território nacional, se obtém rendimentos provenientes de uma sociedade transparente (com sede ou direção em território nacional ao abrigo do artigo 6.º do CIRC), significa que são rendimentos que devem ser tributados e objeto de submissão de declarações fiscais, isto, quer na esfera dos sócios (no caso, sócio único) através do anexo D da modelo 3 de IRS quer na esfera da sociedade através da IES e modelo 22. A liquidação será efetuada pela AT, através da aplicação da taxa especial prevista no n.º 6 do artigo 72.º do CIRS (taxa 25%). Enquadramento na transparência fiscal como sociedade de profissionais De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC é imputado aos sócios (pessoa singular ou coletiva) a matéria coletável das sociedades de profissionais (sem prejuízo das sociedades previstas nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 6.º do CIRC) com sede em território português, ainda que não tenha havido distribuição de lucros. De acordo com o n.º 3 do artigo 6.º do CIRC, a imputação aos sócios é a que resulta do ato da constituição da sociedade (na falta de elementos consideram-se em partes iguais). E é o número 4 do artigo 6.º do CIRC que nos dá a noção das sociedades de profissionais. Lembremos que o enquadramento do n.º 1 da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC já existia anteriormente à reforma do IRC (Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro), ou seja, para esta disposição terá de se verificar os seguintes requisitos: - A sociedade ser constituída para o exercício de uma única atividade profissional constante da lista anexa do artigo 151.º do CIRS. - Todos os sócios têm que ser profissionais dessa atividade e exercer efetivamente essa atividade na sociedade. - E os mesmos sócios considerados individualmente ficarem abrangidos pela categoria dos rendimentos de trabalho independente (categoria B). Relativamente à redação dada no n.º 2 da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, temos que se o volume de negócios (correspondente ao conceito de rédito) obtido pela sociedade provir em mais de 75 por cento do exercício de uma ou mais atividades profissionais constantes da lista a que se refere o artigo 151.º (em conjunto ou isoladamente) significa que, a priori, a sociedade poderá ficar enquadrada na transparência fiscal. Porém, para que assim seja, ainda terão de se verificar os requisitos da segunda parte do n.º 2 da alínea a) do n.º 4 do artigo 6.º do CIRC, e que são os seguintes: «(...) desde que, cumulativamente, durante mais de 183 dias do período de tributação, • O número de sócios não seja superior a cinco, • Nenhum deles seja pessoa coletiva de direito público, e • Pelo menos 75 por cento do capital social seja detido por profissionais que exercem as referidas atividades, total ou parcialmente, através da sociedade.» Respondendo em concreto à questão, temos que se forem cumpridos os requisitos enunciados, a sociedade, mesmo tendo um sócio não residente, poderá ficar abrangida na transparência fiscal. Conforme exposição efetuada será importante verificar todos os requisitos. Outra situação importante é de que o sócio único tem de desenvolver atividade prevista na lista anexa ao Código do IRS através da sociedade. Se apenas desempenha as funções de gerente na sociedade ou se apenas é sócio de capital, significa que não se verifica o enquadramento na transparência fiscal. |