PT21129 - MEP – Participações recíprocas 01-09-2018 Um grupo de sociedades foi sendo constituído da seguinte forma: - A sociedade A adquiriu 100% da sociedade B em 2010. - A sociedade B adquiriu 95% da sociedade C em 2014. - A sociedade C adquiriu 85% da sociedade A em 2017. Julgo que em 2017 surgem participações recíprocas de forma indireta (circular). O artigo 485.º - Sociedades em relação de participações recíprocas, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), enuncia o seguinte: 1 - As sociedades que estiverem em relação de participações recíprocas ficam sujeitas aos deveres e restrições constantes dos números seguintes a partir do momento em que ambas as participações atinjam 10% do capital da participada. 2 - A sociedade que mais tardiamente tenha efetuado a comunicação exigida pelo artigo 484.º, n.º 1, donde resulte o conhecimento montante da participação referido no número anterior, não pode adquirir novas quotas ou ações na outra sociedade. 3 - As aquisições efetuadas com violação do disposto no número anterior não são nulas, mas a sociedade adquirente não pode exercer os direitos inerentes a essas quotas ou ações na parte que exceda 10% do capital, excetuado o direito à partilha do produto da liquidação, embora esteja sujeita às respetivas obrigações, e os seus administradores são responsáveis, nos termos gerais, pelos prejuízos que a sociedade sofra pela criação e manutenção de tal situação. Questão 1) Como a sociedade C foi a última sociedade a ultrapassar 10% da participação na sociedade A, significa que a limitação do artigo 485.º do CSC é imposta apenas à sociedade C? Ou seja, caso a sociedade A distribuir lucros significa que a sociedade A não pode distribuir 75% (85%-10%) à sociedade C? Questão 2) Em termos contabilísticos, a sociedade A aplica o método de equivalência patrimonial relativo à participação na sociedade B; a sociedade B aplica o método de equivalência patrimonial relativo à participação na sociedade C e a sociedade C aplica o método do custo em relação à sociedade A? Parecer técnico A questão colocada refere-se à aplicação do método de equivalência patrimonial quando o investimento financeiro na participada acontece ao mesmo tempo que a própria participada também detém uma participação na investidora. Esta situação designa-se de participações recíprocas. As normas contabilísticas, nacionais ou internacionais, não preveem um tratamento específico para esta situação de participações recíprocas, pelo que neste parecer se indica um procedimento geralmente aceite pela prática, mas que pode ser objeto de contestação por outros especialistas. Em termos legislação comercial, o Código das Sociedades Comerciais (CSC) estabelece um regime específico para as participações recíprocas, incluído nos artigos 483.º, 484.º e 485.º desse Código. Este regime específico está integrado no CAPÍTULO II - "Sociedades em relação de simples participação, de participações recíprocas e de domínio" do Título VI - Sociedades coligadas do CSC. As relações entre as sociedades (coligadas) são baseadas nos direitos de voto decorrentes do capital detido, ou de qualquer outra forma de poder parassocial. A participação no capital de outras entidades dá à investidora poderes ou uma capacidade de natureza legal que resultam dessa propriedade. O artigo 482.º do CSC considera sociedades coligadas: "a) As sociedades em relação de simples participação; b) As sociedades em relação de participações recíprocas; c) As sociedades em relação de domínio; d) As sociedades em relação de grupo.". Uma sociedade está em relação de simples participação com outra quando uma delas é titular de quotas ou ações da outra em montante igual ou superior a 10% do capital desta e entre elas não existe nenhuma das outras relações previstas no citado artigo 482.º, conforme previsto no n.º 1 do artigo 483.º do CSC. O n.º 2 do mesmo artigo 483.º do CSC determina que a referida relação entre as sociedades é avaliada em função de participação direta no capital da participada ou de participação indireta através de outra sociedade. O artigo 486.º do CSC considera que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou pessoas, sobre a outra, dita dependente, uma influência dominante. Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo "presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta, direta ou indiretamente: a) Detém uma participação maioritária no capital; b) Dispõe de mais de metade dos votos; c) Tem a possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização.". Esta relação de domínio cessa se mais de 10% do capital da sociedade dependente deixar de pertencer à sociedade dominante ou às sociedades e pessoas referidas. Em relação ao caso concreto, existem três sociedades coligadas, em que a empresa "A" adquiriu o controlo na empresa "B" em 2010, atendendo a que, desde esse momento, passou a totalidade do capital da sociedade "B", pressupondo que não existirão mais direitos de voto para além do que serão garantidos pelas participações da entidade, nomeadamente por quaisquer acordos parassociais. Em 2014, a sociedade "B" adquiriu 95% do capital da sociedade "C", passando a sociedade "B" a ter domínio sobre a sociedade "C". Por sua vez, a sociedade "C" adquiriu em 2017 85% do capital da sociedade A, passando a existir participações recíprocas entre a sociedade "A" e a sociedade "C", ainda que através da participação indireta da empresa "A" através do controlo da empresa "B", que detém o controlo da empresa "C". Esta situação de participações recíprocas põe em causa o princípio da integridade do capital, pelo que o CSC impõe limites e obrigações às sociedades nesta situação, a partir do momento em que ambas as participações atinjam 10% do capital da participada. Essas obrigações estão expressas no artigo 485.º do CSC: "1. As sociedades que estiverem em relação de participações recíprocas ficam sujeitas aos deveres e restrições constantes dos números seguintes, a partir do momento em que ambas as participações atinjam 10% do capital da participada." Em relação às restrições das participações recíprocas, o CSC concretiza as situações de exceção em que tal situação poderá existir sem ser considerada nula. Nos termos do artigo 487.º do CSC, que prevalece sobre outros deveres e restrições nas participações recíprocas, será proibida a aquisição de quotas ou ações de sociedades que dominem a sociedade adquirente. Se tal acontecer essa aquisição de participação recíproca será considerada nula, exceto se for comprada através da bolsa de valores. Esta proibição de aquisição de participações recíprocas também não se aplica se a aquisição for a título gratuito, por adjudicação em ação executiva movida contra devedores ou em partilha de sociedades de que seja sócia. No entanto, ainda que a detenção de participação recíproca não seja nula, o n.º 3 do artigo 485.º e o n.º 2 do artigo 540.º do CSC determinam que a sociedade que possuir a participação inferior não poderá exercer os direitos correspondentes à detenção da sua participação na outra sociedade. Estas limitações previstas no regime de participações recíprocas aplicam-se à sociedade que mais tardiamente tenha efetuado a comunicação exigida pelo artigo 484.º, de que passou a deter partes de capital da outra sociedade. No caso em concreto, pressupondo que as aquisições das participações efetuadas pela sociedade "A" do capital da sociedade "B", e do capital da sociedade "C" pela sociedade "B" tenha sido objeto de comunicação, ou que tenham sido objeto de registo da Conservatória do Registo Comercial, passando a existir conhecimento por todas as sociedades envolvidas da realização dessa aquisição, será a sociedade "C" que será aquela que mais tardiamente fará a comunicação da aquisição das partes da capital à sociedade "A". Caso a aquisição da participação recíproca seja referente a uma sociedade que já domine essa sociedade adquirente (que decorre da aquisição da sociedade "C" adquiriu partes de capital da sociedade "A") e não tenha sido efetuada através de aquisições a título gratuito, por adjudicação em ação executiva movida contra devedores ou em partilha de sociedades de que seja sócia, essa operação é nula, exceto se se tratarem de compras de ações em bolsa de valores (que não parece sero caso), conforme previsto no n.º 1 do artigo 487.º do CSC. Trata-se de operações nulas, essa aquisição não tem qualquer eficácia, devendo ser revertida. Sugere-se que seja consultado um advogado ou jurista para efetuar o enquadramento legal da referida operação. No caso concreto, ainda que a empresa "C" detenha a participação na empresa "A", não poderá exercer os direitos associados a essa detenção, por a empresa "A" já deter uma posição de domínio na própria empresa "C", ainda que indiretamente através da empresa "B". Esta limitação no exercício dos direitos leva a que em termos contabilísticos a empresa "C" não possa classificar esse investimento como um investimento numa associada ou subsidiária, não podendo aplicar o método de equivalência patrimonial (MEP), devendo manter a participação na empresa "A" mensuração ao custo ou ao justo valor (se este puder ser mensurado fiavelmente através de cotações na bolsa), nos termos da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 27 - "Instrumentos Financeiros". |